Dissonância Cognitiva – Esse é o Termo Para Definir a Relação da Sociedade com os Animais

A dissonância cognitiva é um conceito psicológico que é usado para se referir a situações nas quais uma pessoa defende duas (ou mais) crenças contraditórias.

Isso acontece, por exemplo, na forma como a sociedade lida com os animais. As pessoas, de uma forma geral, afirmam amar os animais, mas, ao mesmo tempo, muitas dessas mesmas pessoas consomem carne, financiando e apoiando uma indústria que é cruel e desumana. 

Esta contradição reflete uma profunda desconexão na forma como moldamos nossos valores desde a infância.

Desde os primeiros anos de vida, as crianças são ensinadas a desenvolver empatia pelos animais, através de programas de televisão voltados para o público infantil, como “Peppa Pig”. Esses desenhos têm um papel fundamental na construção de um vínculo emocional à medida que retratam os animais como personagens amigáveis e divertidos, permitindo que as crianças se identifiquem e criem laços com eles. 

Estudos indicam que crianças expostas a programas ou conteúdos que enfatizam o cuidado com animais tendem a desenvolver níveis mais altos de empatia em relação a eles.

Mas, o que acontece é que essa empatia é rapidamente colocada à prova quando, em casa, as crianças recebem carne como parte de suas refeições. 

A desconexão entre o porquinho carismático da TV e a carne que aparece no prato gera uma dissonância cognitiva que, em muitos casos, passa despercebida.

Essa dissonância é frequentemente ignorada, pois a sociedade tem uma maneira de normalizar e justificar o consumo de carne. A introdução do consumo de carne ocorre, normalmente, de uma forma “enganosa”, onde é desconsiderada a origem dos alimentos. Muitas vezes, as crianças não são informadas que a carne é na verdade um animal, e muito menos sobre como essa carne chegou à mesa, criando uma barreira que separa o amor que sentem pelos animais da realidade do seu consumo. 

Essa desconexão é reforçada por tradições culturais que celebram a carne como um alimento essencial, e é comum ouvir expressões como “carne é vida”, enquanto os animais que são sacrificados para a alimentação são desumanizados e vistos apenas como mercadoria.

De acordo com a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), cerca de 70 bilhões de animais terrestres são mortos anualmente para alimentação no mundo. 

Esse número impressionante é frequentemente ignorado na narrativa cotidiana sobre a carne. E assim, a indústria da carne se torna um gigante que opera em grande parte nas sombras, evitando a exposição da crueldade e do sofrimento animal. 

Essa desconexão é alimentada por um sistema que busca ocultar a realidade da produção de alimentos. 

As pessoas preferem ignorar a forma como os animais são tratados para que possam continuar consumindo carne sem a carga de culpa, e emocional, que isso poderia implicar.

É importante ressaltar que a normalização da crueldade na indústria da carne se reflete em nossas escolhas alimentares diárias. Relatórios recentes da Humane Society indicam que, embora uma grande maioria dos consumidores afirme se preocupar com o bem-estar animal, uma parcela consideravelmente menor está disposta a mudar seus hábitos e pagar um pouco mais por produtos cruelty-free. Isso reflete a lacuna entre intenção e comportamento, destacando a complexidade das escolhas de consumo sustentáveis e conscientes.

Isso é um exemplo claro da dissonância cognitiva: as pessoas falam, e até acreditam, que amam os animais, mas preferem fechar os olhos para a realidade de como esses animais são tratados.

A dissonância cognitiva não se limita à infância, ela se perpetua na vida adulta, onde as justificativas para o consumo de carne continuam fazendo parte do diálogo das pessoas.

Muitas pessoas racionalizam suas escolhas alimentares dizendo que a carne é uma fonte importante de proteína ou que os seres humanos estão no topo da cadeia alimentar e é assim que as coisas funcionam. Essa forma de pensar ignora totalmente as alternativas que já estão disponíveis e as evidências científicas que apoiam as dietas baseadas em vegetais. 

As consequências dessa dissonância cognitiva são profundas e podem afetar não apenas a saúde emocional das pessoas, mas também sua saúde física. A desconexão entre o que sentimos e o que consumimos pode levar a sentimentos de culpa e vergonha, impactando a forma como nos relacionamos com a comida e, por extensão, com os animais. Isso resulta em um ciclo de negação, onde as pessoas preferem evitar pensar sobre a origem de seus alimentos em vez de confrontar a realidade.

A educação e a conscientização são fundamentais para ajudar as pessoas a entender essa dissonância. Um estudo realizado por pesquisadores da Universidade de Oxford constatou que educar os consumidores sobre o tratamento dos animais na indústria da carne pode resultar em uma redução significativa no consumo de carne. Quando as pessoas veem/leem informações sobre as práticas de criação e abate de animais, muitas começam a pensar e reavaliar suas escolhas alimentares. Isso mostra a importância de promover um diálogo aberto sobre a ética da alimentação e o tratamento dos animais.

Além disso, a mudança cultural em torno do consumo de carne está ganhando força. Um número cada vez maior de pessoas está se interessando e aderindo dietas vegetarianas e veganas, indo no caminho contrário às normas sociais que disseminam a ideia de que a carne é indispensável para uma vida saudável. 

É fundamental que as instituições educacionais e os meios de comunicação desempenhem um papel ativo na promoção do conhecimento e na desconstrução da dissonância cognitiva em relação aos animais. Campanhas que destacam a importância do bem-estar animal, aliadas com uma maior divulgação das alternativas alimentares, podem contribuir para uma mudança nas atitudes em relação aos animais e à alimentação.

Para finalizar, é preciso reconhecer que a dissonância cognitiva entre amar os animais e comê-los não é apenas uma questão pessoal, mas um reflexo das complexidades da sociedade moderna. A mudança de comportamento começa com uma reflexão crítica sobre nossos valores e hábitos. 

A transformação da nossa relação com os animais e a alimentação é possível, mas requer coragem para confrontar a realidade e a disposição para buscar alternativas mais éticas – e elas existem. Ao abordar essa dissonância, podemos nos tornar mais conscientes das nossas escolhas e, talvez, criar um mundo onde o amor pelos animais não seja falado da boca pra fora, mas sim, que seja uma prática honesta e genuína.

A sociedade deve, portanto, se unir em torno da construção de uma nova narrativa que valorize o respeito e o amor pelos animais, alinhando as ações com as crenças. 

Isso não apenas promoverá uma relação mais saudável com a alimentação, mas também ajudará a construir um futuro mais ético e sustentável. 

A transformação cultural que precisamos começa com a educação e a disposição de questionar o status quo. Somente assim poderemos superar a dissonância cognitiva que define a relação que a sociedade tem com os animais.

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