O Agro é ou não Responsável Pelas Queimadas que Acontecem no Brasil?

As queimadas são um problema crônico no Brasil, especialmente durante os períodos secos, e o agronegócio está frequentemente no centro das discussões.

De um lado, defensores do setor alegam que os produtores rurais são vítimas, enfrentando perdas econômicas e riscos de incêndios fora de controle. Por outro lado, investigações e estudos mostram que, muitas vezes, as queimadas estão diretamente ligadas à expansão agrícola, especialmente do cultivo de soja e da pecuária.

Recentemente, em posts no Instagram, vi vários comentários defendendo o agro no contexto das queimadas. Um deles dizia: “eu fico doida quando sugerem que a culpa é do agro. Essas pessoas não devem nem ter noção de como fica o cerrado no período de seca, são cinco meses sem chuva.” Outro comentário mencionava: “os produtores rurais estão se desdobrando e arriscando suas vidas para apagar o fogo (…) Nenhum produtor seria louco de pôr fogo nas próprias terras, perdendo milhões em patrimônio.” 

Lendo esses comentários, algumas pessoas podem ser convencidas da inocência do agro, afinal de contas, realmente, por que os produtores colocariam fogo em suas próprias terras, arriscando perder milhões em patrimônio? Como isso se explica então? O agro é ou não é responsável pelo cenário atual de queimadas no Brasil?

Para falar sobre isso, podemos voltar rapidamente pro ano de 2019. O “Dia do Fogo”, no Pará, se tornou um símbolo desse debate. Nessa data, produtores rurais organizaram incêndios coordenados, resultando em grandes destruições na Amazônia.

Uma investigação da Repórter Brasil em 2021 revelou que áreas incendiadas nesse período foram posteriormente utilizadas para o cultivo de soja. Utilizando dados de satélite da NASA, foi constatado que uma área de 300 hectares, que teve focos de incêndio em 2019, foi posteriormente ocupada por plantações de soja.

Esses eventos exemplificam como o agronegócio pode se beneficiar de terras devastadas pelo fogo. Embora os incêndios possam parecer algo ruim para os produtores, com prejuízos a curto prazo, a expansão de pastagens e cultivos mais do que compensa essas perdas, tornando-se uma prática lucrativa para muitos desses produtores. Propriedades afetadas pelas queimadas de 2019, inclusive, conseguiram acesso a financiamentos subsidiados, como destacou Banwart, porta-voz da Greenpeace Brasil. “O proprietário faz a queimada, não é responsabilizado e ainda consegue acesso a crédito rural a taxas mais baixas do que as de mercado”, explicou.

Em uma entrevista à Agência Brasil, a doutora em geociências Renata Libonati, coordenadora do Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais (Lasa) da Universidade Federal do Rio de Janeiro, esclarece que a maioria das queimadas no Brasil tem origem humana. “Cerca de 1% dos incêndios são originados por raios, enquanto 99% são causados por ação humana”, afirmou. A especialista associa esses incêndios às atividades econômicas, principalmente à agropecuária, ao desmatamento e à expansão de pastagens e cultivos.

O uso do fogo, mesmo que acidental, é parte de um risco calculado por muitos produtores. Em certas regiões, as queimadas são usadas como ferramenta para limpar áreas, e, muitas vezes, escapam do controle. Embora isso possa prejudicar os próprios produtores no curto prazo, a pressão por expansão de terras para agricultura e pecuária é grande o suficiente para justificar essas perdas.

A prática é agravada pela impunidade. Em muitos casos, os responsáveis por essas queimadas não são responsabilizados legalmente, criando um ciclo contínuo de destruição. Ao contrário da narrativa de que os produtores não colocariam fogo em suas próprias terras, as evidências apontam para o uso estratégico do fogo para abrir novas áreas de produção.

Segundo dados coletados pela Agência Brasil, o monitoramento via satélite não permite identificar a origem exata de cada incêndio, mas os padrões são claros: desde maio, não houve registro de incêndios naturais no Pantanal, indicando que o fogo que devasta a região é de origem humana. As conexões com atividades econômicas, como a pecuária, são evidentes, especialmente em áreas desmatadas para criar pastagens.

A problemática das queimadas vai além do impacto imediato no meio ambiente. Como destaca Libonati, “nosso estilo de vida atual é incompatível com o bem-estar da nossa sociedade no futuro”. A destruição contínua de biomas como a Amazônia e o Cerrado não afeta apenas a biodiversidade local, mas também agrava as mudanças climáticas, com consequências globais.

Portanto, embora haja esforços de alguns produtores para combater o fogo e proteger suas terras, o agronegócio como um todo não pode ser eximido de responsabilidade. A prática de queimadas, intencionais ou não, tem sido uma ferramenta para a expansão territorial, ao custo de devastação ambiental e danos irreparáveis aos ecossistemas brasileiros.

A pergunta sobre a responsabilidade do agronegócio nas queimadas no Brasil é complexa e não tem uma resposta simples. Enquanto defensores argumentam que muitos produtores sofrem com o fogo, as evidências apontam para uma relação direta entre queimadas e a expansão agrícola. O “Dia do Fogo” e outras ocorrências semelhantes são exemplos claros de como o setor está envolvido, seja de forma direta ou por meio de práticas negligentes e mal regulamentadas. 

A questão crucial permanece: como fazer valer as leis e punir os responsáveis pelas queimadas que assolam todo o país, antes que seja tarde demais? (se já não for). 

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